26.8.07

Raizes

A paisagem estende-se à minha frente e as ideias desaparecem. Em férias nada ocorre e os dias dividem-se apenas em horas todas elas vagas: horas de almoços e jantares em família, conversas entrecortadas pela barulheira e correria das crianças; jogos e brincadeiras sempre com a miudagem a reboque; momentos de ama-televisão-playstation-gameboy para tempo de adultos em maior sossego; jardinagens e passeios. Olhar para o verde das árvores, o azul do céu e não pensar em nada, só deixar o tempo correr.

Em férias, sempre no mesmo local, sempre as mesmas pessoas: família. Entre as recordações da nossa, a infância dos nossos filhos, a vida parecendo correr ao sabor de todos, na realidade sempre centrada nos mais novos. Há isto para preservar e “isto”, descobri eu, com algum espanto e já adulta, nem toda a gente tem. “Isto” nem sei bem eu definir. Uma aldeia, uma família de tetravós comuns, casas de férias, dezenas de primos. Gerações mais novas que constroem as suas casas de férias nas quintas dos avós, para regressar, regressar sempre, todas as férias, todos os fins de semana possíveis. Os primos todos que se conhecem antes sequer de se lembrarem, nas fotografias, olha aqui eu contigo, ainda bebés, que giro! E depois, nas primeiras recordações, lá estão esses primos, eternamente de férias, ano após ano, no Verão, na Páscoa, no Natal, nas passagens de ano, em todas as festas felizes; em todas as alturas mais dolorosas também, essa família que se abraça em casamentos e funerais, não apenas perfunctoriamente, mas por serem talvez nem todos os melhores, mas os mais antigos amigos, aqueles que estiveram sempre presentes e continuam a estar.

“Isto” não sei se é o sítio, se é a memória, se é a família. Tudo, provavelmente, uma mistura do passado e das histórias, do presente e das nossas coisas de todos os dias serenos, do futuro e das árvores que se continuam a plantar. No fundo, um dia, há muitos anos, alguém passou por esta terra e aqui ficou. Plantou esta família, uma arvore geneológica já muito antiga, cheia de ramos e sempre com folhas novas. É isto, esse “isto” que aqui se preserva. Um tempo de paz, um intervalo na confusão dos dias úteis. Estes, os mais úteis de todos, para onde trazemos os nossos filhos, que aprendem assim de onde vieram. Para que um dia eles queiram voltar.


(da minha cronica "Amo-te" na revista Psicologia Actual, escrita aqui, ha exactamente um ano)

 
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