8.5.07

A minha primeira amiga

A fotografia está sempre ali, num cubo de plástico, tenho-a de tal forma desde sempre que nem me lembro dela *. São duas miúdas, uma de cabelo cortado à rapaz e cheia de sardas, a outra de cabelo pelo ombro e mãos enfiadas nos bolsos das calças. Adivinho que uma das pernas está subida, dobrada, para não se enfiar na corrente. A sardenta está de calções. Têm um mês de diferença e, aos dez anos, isso dá direito a talvez sete de eu é que sou mais velha que tu, não és nada é só um mês, repetido milhares de vezes. Contam-lhes que se pegaram ao estalo pela primeira vez ainda quase não andavam e isso cimenta uma amizade, a estalada, o empurrão, a discussão, as bicicletas, as mãos enfiadas nos bolsos e os sorrisos iguais que partilham na fotografia. Não me lembro de uma única conversa nessa altura mas lembro-me de quem acordava primeiro ir acordar a outra, de quem almoçava primeiro ir a correr ter com a outra, não me lembro de fins de dia nem de despedidas, só dos dias seguidos de nós as duas, sem eu ou ela, nós as duas.
É engraçado quando as pessoas ficam nós. Nem nos vemos muito agora, nem falamos quase nada, sabemos uma da outra, quase tudo, sabemo-nos uma da outra; somos nós, na fotografia, desde sempre; quase como se estivessemos agora à espera que os anos passem e daqui a muitos, somos nós outra vez na fotografia, duas bisavós, como as nossas foram, miúdas primas.

(* só me lembrei porque me perguntaram ontem "quem é esta menina que está aqui contigo?")

 
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