27.11.06

Semáforos vermelhos e as montras do Rossio

Os meus cheiros matinais são sempre os mesmos: torradas e café acabado de tirar, o primeiro tabaco do dia, gel de banho e perfume em mim, champoo sonolento nos cabelos do meu filho. Depois há o cheiro da terra molhada, dos cocós de cão, de bolachas comidas no carro, de escapes e maresia diluída.

No semáforo vermelho algures em Alcântara, janela do carro aberta, entra um cheiro infernal pelo errado que é, àquela hora, aquele cheiro: a fritos, a alguma coisa a ser cozinhada em muita gordura. Que antes do almoço, um cheiro daqueles possa obrigar alguém a entrar naquela ou noutra tasca e pedir o prato do dia (quantas vezes já me aconteceu, ir atrás de bifanas ou sardinhas, dessa maneira!), é normal; mas, antes das nove da manhã, é de fugir aos vómitos.

Ainda o semáforo não caiu para verde e já eu estou a lembrar-me da 1º de Dezembro.
Para quem não sabe, a Rua 1º de Dezembro é a que fica por trás do Rossio, melhor conhecida pela "rua onde fica o Celeiro". Já menos gente saberá que a rua continua e, na verdade, aquele bocadinho que liga o Rossio aos Restauradores ainda é a 1º de Dezembro. E ali há outro semáforo, daqueles que está ligado para os peões exactamente o tempo de atravessar quase a correr. Sei bem disso porque, durante uns anos, atravessei essa rua várias vezes por dia.

De um dos lados, na esquina da 1º de Dezembro, quase já de frente para a Estação do Rossio, há um café. Repare-se. Há mais cafés ali, entre aqueles edifícios, alguns deles lindíssimos; o Rossio é o coração da Baixa de Lisboa, um local que é um pouco estranho, com variações espantosas em lojas e pessoas. Mas, em insólito, nada ganha àquele café de esquina: se uma pessoa atravessar a rua do lado de quem vem dos Restauradores para o Rossio e for a andar sempre em frente até bater na parede, não bate numa parede. Bate na montra do café. Na montra que fica ao lado da porta.

E, se olhar para dentro da montra, aquilo que vê é uma frigideira de um metro de diâmetro onde nadam bifanas em molho. Uma montra de bifanas em gordura, às oito da manhã, numa zona nobre da cidade.

 
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