30.4.07

Encasquetar

Adoro esta palavra: encasquetar. Gosto imenso de palavras que não se usam sem ser na escrita, não das cobertas de rendinhas e armadas ao pingarelho, que essas têm tendência para serem manejadas por artistas menos cinco estrelas e conseguem quase sempre ficar com uns neons de "estou aqui armada em palavra para mostrar que o meu autor sabe escrever palavras difíceis" à volta, mas destas assim mais brutinhas. Encasquetar é bestial. A palavra, claro. O conteúdo já lá vamos, mas a palavra, (caneco!) a palavra é linda de morrer. Tenho pena que não se use. Um gajo poder dizer ao almoço, epá encasquetei que aquelas Galps hão-de subir até aos oito e não há quem me desencasquete desta ideia e alguém lhe responder, sempre foste um uma encasquetada e depois não te queixes de andar aí ópaiópai e rematar-se a coisa com um quando se me encasqueta uma coisa, sabes como é.

Quando se me encasqueta uma coisa, sabes como é. Fodido, claro. Não há como desencasquetar. Um gajo bem se organiza na via do pensamento mais abstrato, da análise racional dos dados que dispõe e que apontam todos na mesma direcção. Não há volta a dar-lhe. Quando se me encasqueta uma coisa, cravo-lhe as mandíbulas e só partindo mesmo.
Nada a fazer. É assim.

E eu, e eu, ó pra mim de dedo no ar!

Eu não sou nada de pegar numa revista de um jornal da semana anterior (quer dizer, sim, essa parte sou, até do mês passado se for caso disso, que não faz diferença ler algumas coisas agora ou daqui a bocado) e tentar equilibrá-la entre o monitor e o teclado, sempre a cair para cima das mãos, para copiar um pedaço de um artigo.
Mas este até o copiava todo.

Na Pública de 22.04.07, capa com o Sandokan dos filmes, o do olho azul cujo nome agora me escapa e o título "Salgari ele já era politicamente correcto". Lá se era, se não era, na altura não tinha idade para saber o que era isso, de ser politicamente correcto, mas o artigo explica com alguma lógica.

Já que não posso meter aqui as páginas todas, aquilo que me apetece copiar do artigo do Paulo Varela Gomes (pessoa que não faço a mais pequena ideia de quem seja mas de quem fiquei logo a gostar) é esta parte:

(...) "Salgari foi muito provavelmente o escritor mais lido pelos rapazes europeus e latino-americanos (os rapazes, não as raparigas) entre o início do século XX e a década de 70. Deve ser muito difícil encontrar um italiano, um espanhol, um francês, um português, um mexicano ou um argentino, com mais de 45 anos de idade, que não tenha lido os livros de Salgari no início da adolescência. "(...)

Pois tá certo, O Paulo Varela Gomes não poderia saber que, pelo menos uma rapariga portuguesa e com menos de 45 anos, também tinha lido os livros de Salgari. Capas amarelas, lembram-se, rapaziada? Eram do meu pai e dos meus tios e eu uma espécie de peixe de prata, tudo o que fosse papel com letras, devorava. Li todos os que apanhei à frente e fiquei assim, uma criatura salgari-formatada, daquelas que não sai do seu tapete e pensa que se está a afogar assim que mergulha a ponta do pé numa onda, mas com o mar lá atrás dos olhos, cheio de barcos, piratas, espadas, países distantes e mistérios por resolver. E, também talvez por isso, tanta visão a preto e branco mas muito clara, de os bons de um lado e os maus do outro. Uma lírica, em resumo.

Não me fez mal nenhum, creio. Acabei de ler o artigo (que, entre outras coisas, refere o desaparecimento deste autor nos hábitos de leitura juvenis) e disse para o lado: quando fores mais crescido, vou contar-te umas histórias de piratas mesmo boas. O que é giro, nestas merdas, é que os miúdos, por mais nintendos e playstations que tenham, gostam mesmo é das espadas. Estou convencida que, aqui pelos meus lados, ainda se salgari-formata mais uma geração.

29.4.07

Eu há dias

que tenho espírito de sei lá o que é que agora nem me lembro da palavra e há dias que não tenho espírito nenhum e tenho um mau perder de merda.

Portanto

ora foda-se!

(ainda por cima vou ficar cheia de aftas que comi um pacote de nozes)

Ora então, vejamos







Bamo lá dar uma tareia nos gajos...

(tudo treta bloguística, claro, para efeitos de post e tal, que é sopa de cenoura e peixe cozido com puré e nem tenho sport tv)

28.4.07

Innamorato II

Passo pelo Modus Vivendi e roubo (descaradamente) um poema à Ana Roque.

Estar sem ti
é estar em silêncio de montanha
sem existir montanha.
É ficar em desterro,
ou regressar, calado, de um enterro
e tomar lentamente um copo de vinho,
sozinho.

Artur Eduardo Benevides

23.4.07

Agora vamos lá mazé a saber isto que se faz tarde!

Este ano, como é? Há 25 de Abril na blogsfera ou nem por isso?

(tirando a Emiéle, como é evidente e também não sei se, com a qualidade dos Abris do Pópulo, será preciso mais)

Sociocoisas que não percebi essa parte, mas prontos



Não é pelo award, embora também ache o banner bem catita (e também gosto muito da palavra catita); mas, foda-se pá, é que um elogio tem o peso de quem o atribui. Este considero-o dos mesmo grandes.
Um gajo até fica sem palavras (quer dizer, quase sem palavras)
Obrigada, Anarca.

Rendi-me

Quando fui viver para a minha casa (algures já escrevi sobre isso mas agora dá-me seca ir à procura), que tinha comprado uns bons anos antes e estava fechada (também me tinha dado seca mudar-me e o tempo foi passando, com aquela certeza de ter uma chave no bolso se fosse preciso)chegou uma altura em que comecei a levar livros. Fui levando, todos os dias levava mais uns sacos.
Um dia, deu-me uma coisa de mudança, pedi ajuda para levar um colchão, alguma roupa e um tapete. Sem água quente, sem cozinha, sem telefone, sem móveis; nesse dia comprei uma aparelhagem e, à noite, deitei-me no chão da minha sala, a beber coca colas, a fumar e a ouvir música.
Foi uma das melhores noites da minha vida.

Hoje, cheguei a casa, agarrei na aparelhagem e instalei tudo na cozinha. Vencida pela televisão, mas não totalmente vencida. E se a vizinhança não gostar de Alan Parsons à hora de descascar batatas, pois temos pena.

21.4.07

RL (real life)

Ali plantada à porta, com um portátil na mão e telemóvel na outra, "que não se preocupem que eu é que cheguei adiantada". O portátil servirá depois para, com a net através de um cartão de operadora-telefónica-net-banda-larga, mostrar um universo virtual onde não há pobreza, não há fome, frio, sede, sono, onde não é preciso um tecto ou comida na mesa.

Ali plantada à porta, no coração da Mouraria, numa rua que, me avisam antes, é uma rua onde a ladroagem se junta ("mas não te preocupes, que eles não roubam ali, roubam noutros lados").

Encostada ao prédio, moderno, arranjado, com parque de estacionamento de portões de grade, a Dona Alzira (que não se chama Alzira), de sapatos ortopédicos, cabelos completamente brancos e casaco de malha sobre calças de treino, pergunta-me se preciso de ajuda; respondo que estou à espera de umas pessoas e que eu é que cheguei adiantada. Nos 15 minutos seguintes, acendo cigarros e oiço-lhe as histórias.

Não, a Dona Alzira não vive ali. Quem vive é a filha, mas ela fica ali a tomar conta dos netos. A zona é má, percebe? Esta zona é muito má, esta rua principalmente e não vá ali tomar café, se quiser é mais abaixo e ainda passa por outro café mas não entre, vá à pastelaria mais à frente (ainda desço um bocado mas depois volto para trás e continuo a conversa). É pena, diz ela, zona antiga, tradicional, a minha casa é mais abaixo, toda a vida aqui vivi, tem portão a minha casa, tem mesmo um portão de ferro e está menos degradada, mas não durmo lá, sozinha não durmo lá. Sabe que aqui há um beco com uma bananeira, ganha sempre os prémios todos nos santos populares? e a cara aberta num sorriso orgulhoso, nem tudo é mau no bairro, ainda há motivo de orgulho e depois mais histórias de talvez aqui mais acima haja alguém que, tá a perceber, eu não sei de nada, mas é um vai e vem de carros a noite toda, nem sei de nada, nem vi nada, mas eles andam com as seringas, elas numa pouca vergonhice, só ouvi dizer que nunca vi nada algum medo no rosto de se calhar já ter falado demais.
Ali perto, um jardim lindíssimo no alto, por cima de um muro, de laranjeiras carregadas e buganvílias roxas, um pouco selvagem, deixado ao sabor da chuva e do sol, sabe é que as pessoas têm as vidas delas e pouco tempo para cuidar dos jardins, em tempos era um palacete. E os prédios, ainda de janelas altas e varandas de ferro forjado, as fachadas de tinta a cair, as cortinas de rendas, os ténis pendurados numa corda. A rapariga que passa e desce a rua e depois volta com duas latas de coca-cola. Os tipos de mau aspecto que vão passando (estes, daqui a umas horas quando for noite, percebe o que eu quero dizer?)e ainda hoje lavei este chão todo, mas não vale a pena eles espalham o lixo de propósito todos os dias lavo com lixívia, é um nojo, uma porcaria, todos os dias lavo

e eu a pensar, não vale a pena, mas ela, a D. Alzira que ali viveu toda a vida, perto do beco que ganha os prémios todos e onde tem medo de dormir à noite, sozinha, apesar de ter um portão de grades, insiste ainda em lavar o chão todos os dias. Não vale a pena mas todas as varandas têm vasos com flores. Não vale a pena mas eles, esses moradores antigos desse bairro esquecido que só serve para os roteiros turísticos ("zona típica da cidade") e não merece fundos comunitários e fatias do OE para umas latas de tinta e umas centenas de polícias, ainda lutam contra a degradação total, ainda tentam alguma coisa contra a indiferença que é dedicada à pobreza, que lhes foi dedicada.
E ainda perguntam se precisamos de ajuda.

A vacina contra o cancro do colo do útero

Quanto é que apostas, Cristina, que se fosse uma vacina contra o cancro da próstata a coisa já seria diferente?

a ler: a doce anestesia da ignorância e continuação aqui.

17.4.07

Do crescimento (e posterior cristalização)

Quando eu era pequena nos blogs (a culpa deste post é ali de uma criatura cruel que desapareceu e hoje teve saudades e veio cá, a minha querida duende) tinha a mania. Um gajo tem a mania, é uma maçada, pensa que derrama alguma coisa de jeito sobre os outros e até se sai menos mal, convenhamos também, mas é tudo muito acertadinho. Nada contra, acho até muito bem que se acertem as palavras, que sejam colocadas nos sítios exactos onde ficam melhor, eu gosto de ler, nada contra, tudo a favor, portanto. E também gosto de escrever, claro, tenho muita coisa a dizer, não exactamente ao mundo, é mais ali à pessoa do lado da fila do autocarro (o que é uma imagem completamente cretina já que nem sei onde se picam e se ainda se picam bilhetes, mas isso agora são detalhes). O que eu agucei ainda mais com estes quilómetros todos de iadaiadaiada, uns mais acertadinhos, outros mais caralhosos e assim, foi o total sentido do (meu, atenção, é só do meu, isto só se aplica de mim para comigo, por assim dizer, que eu eu eu eu eu, essa parte nunca muda aqui no meu tasco) ridículo do acertadismo da coisa. Não tenho paciência, sinto-me estúpida à brava em iadar nos conformes. Eu não sou isso; e agora ia aqui bem um foda-se seguido de um ponto de exclamação, pode ser? Obrigada então façamos de conta que aqui está/não está, riscar o que não interessa e prossigamos por mais um postalinho destes que nem selo nem morada e depois a letra que não se consegue ler, mas que se envia para qualquer lado, para a pessoa que está ali ao lado na fila do autocarro embora essa já se tivesse ido embora se eu começasse com um iadaiada destes em vez de conversar sobre os atrasos, o tempo, as cadeiras partidas das paragens e o estado dos transportes públicos e mais coisas que haveriam sempre de chegar ao culpado, fosse ele quem fosse; mas tergiverso. Adiante pois para o ponto da questão que é esse tal ridículo: uma pessoa fazer figura de urso aos seus próprios olhos. Oh há muito quem as faça também e também as noto e encolho os ombros com o patético da coisa, mas o que interessa é que quem as faz não note e viva e escreva feliz e livre desses travões (porque não são mais do que travões, impedimentos à escrita) e nem me estou a referir a ninguém em particular porque há muito tempo que só leio o que gosto mesmo.

- Podias era meter uns parágrafos, olha lá, tem pena dos teus leitores...
- Tazaí???
- Mas e alguma vez me vou embora?
- Caneco és cá uma melga!
- Pois és.

(tá tudo estragado, a alterega acordou, fugide que eu me piro já!)

Da nova série "eu cá gosto do Ikea" (*)

Destas devo ter umas dezenas em casa...



(*) mesmo as coisas que nao servem para nada, um gajo acaba por lhes dar uso...

Eu sei que isto não é nada original

mas só agora é que a começo a conhecer melhor e tá na lista das compras asap!

12.4.07

(eu)

Eu sou uma pessoa absolutamente normal.

11.4.07

Insónia

Sonho acordada demais.
Durmo demenos.

5.4.07

Coisas que me chateiam

agora no firefox, vejo o título colado ao post.
(detesto o blogger)

Hortas

Há coisas que não entendo. Não se trata de gostar ou não gostar. Não é a época em que se plantam dúvidas, mas também não é a época em que se apanham respostas.
Como não me apetece semear perguntas, continua a haver coisas que não entendo. (Fico com elas, paciência.)

3.4.07

Um enorme sorriso

Não ia escrever nada para além de obrigada, nem ontem nem hoje.
Mas calhou que estou para aí virada sem saber, como sempre, o que daqui sairá; pouco me importa também. Noutras alturas preocupava-me mais com alguma coisa que estivesse para além do que escrevia, uma imagem, uma frase, um coelho qualquer que tivesse saído de uma cartola ou descido por um poço. Agora não. Talvez seja essa a razão que me leva a escrever, no fundo. Nunca releio este meu blog nem lhe encontro agora grande razão para existir (resistir talvez), cortadas que foram as oportunidades de aqui vomitar estados de alma e de trânsito, quer por razões internas, quer pelas mais prosaicas de todas (está no blogger e eu detesto o blogger). Ontem, no entanto, fui reler alguma parte do que escrevi nos meus dias de anos, até para tentar medir a distância que vai dessa pessoa até agora. Muita distância, anos de vida (passe a redundância) me separam da angústia de entrar nos quarenta e prosseguir nesse caminho de entas. São números, mas os números (mais do que os anos) pesam na cabeça e corre-se o risco de pesarem também na alma. Já me pesaram e, claro, um gajo não vai para mais novo, às vezes pesam noutras coisas, no corpo, na memória, na indiferença, no cepticismo e cinismo com que se olha para o mundo; é inevitável, um gajo cresce e não cresce na direcção da inocência. E dito isto, páro (e acendo um cigarro e olho para umas escadas debaixo de água) e tenho alguma dúvida se não haverá qualquer coisa de não-exactamente-aquilo-mas-parecido. Não, não se cresce na direcção da inocência, mas cada vez tenho mais a sensação que se cresce (também) na direcção da pureza. Pureza como estado de alma, como uma espécie de afinação de todos os sons, um acerto de miras, um foco mais direccionado para aquilo que é realmente importante na vida. Pureza como limpeza de tudo o que é insignificante, todas as merdas que nos incomodavam antes, merdices e tretas e coisas com as quais perdemos tanto tempo (anos de vida) e acho que é isso, essa direcção que limpa e foca que, em vez de nos tirar anos de vida, nos acrescenta. E é por isso que hoje, uns anos mais velha, me sinto muito mais leve (e muito mais nova do que já fui).

E depois, no fundo, aqui sempre se disse que se seria feliz nem que fosse ao estalo e não foi preciso estalo nenhum.

Obrigada.

 
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